Da chegada do amor
Elisa Lucinda
Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.
Sempre quis uma amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.
Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.
Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.
Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.
Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.
Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.
Sempre quis uma amor
que não se chateasse
diante das diferenças.
Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.
Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.
Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.
Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.
Sem senãos.
Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.
Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.
Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.
Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.
Sempre quis um amor não omisso
e que sua estórias me contasse.
Ah, eu sempre quis um amor que amasse.
Elisa Lucinda nasceu em Vitória, no Espírito Santo, em 1958, onde se formou em jornalismo e chegou a exercer a profissão. Em 1986, mudou-se para o Rio disposta a seguir a carreira de atriz. Trabalhou em algumas peças, como "Rosa, um Musical Brasileiro", sob direção de Domingos de Oliveira, e "Bukowski, Bicho Solto no Mundo", sob direção de Ticiana Studart. Integrou, ainda, o elenco do filme "A Causa Secreta", de Sérgio Bianchi.
"O Semelhante", onde a poeta se apresenta declamando seus versos e conversando com a platéia, estreou no Rio e teve temporadas de sucesso em várias capitais. No mesmo formato apresentou "EUTEAMO Semelhante", também com excelente receptividade. Publicou, entre outros, os livros "A Menina Transparente", "Euteamo e suas estréias", "O Semelhante" e a "Coleção Amigo Oculto" (trilogia infantil). Gravou os Cd’s de poesias: “Semelhante” e “Euteamo e suas Estréias” , sob o selo da gravadora Rob Digital. Há quem critique a temática por demais cotidiana da poesia de Elisa. "A grandeza de um céu estrelado está presente no cotidiano das pessoas; minha poesia fala do cotidiano, sim, pois para mim os sentimentos mais profundos, alegres ou tristes, podem ser traduzidos de forma cotidiana e simples", ela rebate.
"O Semelhante", onde a poeta se apresenta declamando seus versos e conversando com a platéia, estreou no Rio e teve temporadas de sucesso em várias capitais. No mesmo formato apresentou "EUTEAMO Semelhante", também com excelente receptividade. Publicou, entre outros, os livros "A Menina Transparente", "Euteamo e suas estréias", "O Semelhante" e a "Coleção Amigo Oculto" (trilogia infantil). Gravou os Cd’s de poesias: “Semelhante” e “Euteamo e suas Estréias” , sob o selo da gravadora Rob Digital. Há quem critique a temática por demais cotidiana da poesia de Elisa. "A grandeza de um céu estrelado está presente no cotidiano das pessoas; minha poesia fala do cotidiano, sim, pois para mim os sentimentos mais profundos, alegres ou tristes, podem ser traduzidos de forma cotidiana e simples", ela rebate.
A poesia agora apresentada foi extraída do livro "Euteamo e suas estréias", Editora Record - Rio de Janeiro, 1999, pg. 24.
Fonte: http://www.releituras.com/elucinda_menu.asp
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Não Comerei da Alface a Verde Pétala
Vinicius de Moraes
Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem maior aprouver fazer dieta.
Cajus hei de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.
Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Omnívoro: dêem-me feijão com arroz
E um bife, e um queijo forte, e parati
E eu morrerei feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.
(Iludia-se o poeta. Num tempo em que as coisas andaram meio pretas, ele teve que se enquadrar direitinho e andou comendo legumes na água e sal como qualquer outro).
Extraído do livro "Para Viver um Grande Amor", Livraria José Olympio Editora S. A.- Rio de Janeiro, 1984, pág. 84.
Fonte: http://www.releituras.com/viniciusm_alface.asp
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Poesia Matemática
Millôr Fernandes
Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.
Texto extraído do livro "Tempo e Contratempo", Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954, pág. sem número, publicado com o pseudônimo de Vão Gogo.
Fonte: http://www.releituras.com/millor_poesia.asp
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Ah!
Ah se pelo menos o pensamento
não sangrasse!
Ah se pelo menos o coração
não tivesse memória!
Como seria menos linda
e mais suave minha história!
(Cacaso)
Lero-Lero
Sou brasileiro
de estatura mediana
gosto muito de fulana
mas sicrana é quem me quer
porque no amor
quem perde quase sempre ganha
veja só que coisa estranha
saia dessa se puder
Eu sou poeta
e não nego minha raça
faço verso por pirraça
e também por precisão
de pé quebrado
verso branco rima rica
negaceio dou a dica
tenho a minha solução
Não guardo mágoa
não blasfemo não pondero
não tolero lero-lero
devo nada pra ninguém
sou esforçado
minha vida levo a muque
do batente pro batuque
faço como me convém
Sou brasileiro
tatu-peba taturana
bom de bola ruim de grana
tabuada sei de cor
4 x 7
28 noves fora
ou a onça me devora
ou no fim vou rir melhor
Não entro em rifa
não adoço não tempero
não remarco o marco zero
se falei não volto atrás
por onde passo
deixo rastro deito fama
desarrumo toda trama
desacato satanás
Diz um ditado
natural da minha terra
bom cabrito é o que mais berra
onde canta o sabiá
desacredito
no azar da minha sina
tico-tico de rapina
ninguém leva o meu fubá
Publicado no livro Mar de mineiro: poemas e canções (1982). Poema integrante da série Sete Preto.
In: CACASO. Beijo na boca e outros poemas. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.154-155
NOTA: Música de Edu Lobo. Referência à "Canção do Exílo", do livro PRIMEIROS CANTOS (1846), de Gonçalves Dias, e à canção "Tico-Tico no Fubá", de Zequinha de Abre
de estatura mediana
gosto muito de fulana
mas sicrana é quem me quer
porque no amor
quem perde quase sempre ganha
veja só que coisa estranha
saia dessa se puder
Eu sou poeta
e não nego minha raça
faço verso por pirraça
e também por precisão
de pé quebrado
verso branco rima rica
negaceio dou a dica
tenho a minha solução
Não guardo mágoa
não blasfemo não pondero
não tolero lero-lero
devo nada pra ninguém
sou esforçado
minha vida levo a muque
do batente pro batuque
faço como me convém
Sou brasileiro
tatu-peba taturana
bom de bola ruim de grana
tabuada sei de cor
4 x 7
28 noves fora
ou a onça me devora
ou no fim vou rir melhor
Não entro em rifa
não adoço não tempero
não remarco o marco zero
se falei não volto atrás
por onde passo
deixo rastro deito fama
desarrumo toda trama
desacato satanás
Diz um ditado
natural da minha terra
bom cabrito é o que mais berra
onde canta o sabiá
desacredito
no azar da minha sina
tico-tico de rapina
ninguém leva o meu fubá
Publicado no livro Mar de mineiro: poemas e canções (1982). Poema integrante da série Sete Preto.
In: CACASO. Beijo na boca e outros poemas. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.154-155
NOTA: Música de Edu Lobo. Referência à "Canção do Exílo", do livro PRIMEIROS CANTOS (1846), de Gonçalves Dias, e à canção "Tico-Tico no Fubá", de Zequinha de Abre
Cacaso (Uberaba MG, 1944 - Rio de Janeiro RJ, 1987) publicou seu primeiro livro de poesia, A Palavra Cerzida, em 1967. Dois anos depois formou-se bacharel em Filosofia pela UFRJ, em 1969. Na época já colaborava nos jornais cariocas Opinião e Movimento. Entre 1965 e 1975 foi professor de Teoria Literária na PUC/RJ. Participou nos movimentos estudantis contra o regime militar, em 1968. Em 1974 e 1975 integrou os grupos Frenesi, com Roberto Schwarz, Francisco Alvim, Geraldo Carneiro, João Carlos Pádua, e Vida de Artista, com Eudoro Augusto, Carlos Saldanha (Zuca Sardan), Chacal, Luiz Olavo Fontes, produzindo suas próprias coleções, antologias e revistas. Em 1987 conquistou o primeiro lugar no Festival de Música Som das Águas, realizado em Lambari MG, com a música O Dia do Juízo, em parceria com Sueli Costa. Sua obra poética inclui os livros Grupo Escolar (1974), Segunda Classe (1975), Beijo na Boca (1975), Na Corda Bamba (1978), Mar de Mineiro (1982) e Beijo na Boca e Outros Poemas (1985). Cacaso é um dos principais nomes da "poesia marginal" brasileira. Sua obra, influenciada por Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Oswald de Andrade, tematizou a política e o amor em tempos de ditadura e liberação sexual, com humor e crítica social.
Fonte: http://www.astormentas.com/PT/biografia/Cacaso
Fonte: http://www.astormentas.com/PT/biografia/Cacaso
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